E ela passou, afoita, por mim.
Fiquei ali, sentada sobre o banco de madeira com sua pintura descascada, em plena Redenção, sendo invadida por mais pensamentos e teorias do que provavelmente conseguiria lidar.
Tinha lá seus vinte e poucos anos, e enquanto segurava o celular entre a orelha e o ombro esquerdo, dizia:
- …mas como assim? Ele é meu! Juro que a mato!
Bastou. Eu que desperdiçava meus neurônios em banalidades, era agora praticamente incumbida a especular o motivo que levara aquela moça a proferir tal frase.
Porque é isso que acontece. Ação e reação. É completamente utópico dizer que cidadãos normais – não necessariamente membros de igrejas pentecostais – não observam, inquerem e especulam sobre a vida alheia. Comecei, então, a ponderar as possibilidades.
Pode-se supôr, pala maneira como a sentença fora verbalizada, que tratava-se de algum relacionamento afetivo frustrado.
Mesmo que as tentativas de procurar algo dentro da bolsa ao mesmo tempo que falava ao telefone móvel estivessem bagunçando seu cabelo loiro, era uma moça deveras atraente. A provável existência de uma terceira pessoa na relação não iria ficar barato; e eu já estava a imaginar reportagens na Zero Hora sobre corpos de ex-namorados e suas amantes sendo fatiados e dados como refeição a cães famintos.
Afinal, o ser humano não lida muito bem com a infidelidade, estando ele em qualquer um dos lados da situação. Ontem mesmo eu traí minha nutricionista com um pudim, e me senti uma verdadeira devassa.
Poderia também tratar-se de uma paixão platônica, de fato. Não há tristeza maior do que amar sem ser amado. Creio, inclusive, que nem no hino nacional haja clava mais forte que o desamor. Na próxima encarnação, quero voltar um cão sarnento, mas não um ser que ama e não é amado.
A rapariga possivelmente estava disposta a tomar atitudes drásticas para com quem quer que interferisse em sua luta pela reciprocidade amorosa. A pessoa do outro lado da linha estava prestes a se tornar cúmplice de alguma inconstitucionalidade, e não fazia ideia.
Contudo, como seria o seu amado? Loiro? Moreno? Alto? Baixo? Será que seria contagiante, seu sorriso? Será que, ao menos, teria a arcada dentária completa?
Minha vontade era de interromper a conversa da moça ao telefone, e perguntá-la, de uma vez por todas, o que a afligia.
Foi quando, a alguns metros de distância, a moça parou sua rota de súbito.
Começou, então, a fazer o caminho de volta, como se tivesse esquecido algo no local de onde havia saído.
E eu ainda ali, sentada sobre o banco de madeira com sua pintura descascada, em plena Redenção, agora imaginando se conseguiria captar alguma informação ainda mais intrigante sobre a vida daquela jovem. Foi quando ela passou dizendo:
- Não posso acreditar que ela o tenha pego sem minha autorização. Aquele é o meu melhor chapéu!
Um chapéu. Nada de grandes amores, nada de assassinatos em série, apenas um acessório, uma coisa suplementar.
Voltei, portanto, a desperdiçar meus neurônios em banalidades, pois, aparentemente, eu não era a única com tal costume.
Né?
* * *
Sessão #beijomeliga:
beijo pra mim mesma, me amo, me adoro, não vivo sem mim. uhahuaha :B
Modéstia? Não trabalhamos.
Sessão #subnick:
"Vai sim, vai ser sempre assim. A sua falta vai me incomodar."
(Luiza Possi)